sábado, 10 de novembro de 2012

Minha intenção nunca foi comparar você com um frango.

     Não, nunca foi. O problema está em você. Inacessível. E eu não gosto de estrelas. Um céu estrelado é como um livro grifado com marca-texto amarelo. Uma cor feia que esconde minhas palavras preferidas. E esconde mesmo. Inúmeros textos eu já escrevi sobre um céu limpo, comum nas noites em que alguém chora as nuvens.
      É por aí que começa a tua culpa. Tão ridiculamente distante que parece uma estrela. Ou melhor, tua culpa é não parecer. O que há de mais inalcançável do que um corpo celeste? O teu corpo, diria eu e todos os meus pontos pela metade. O teu corpo e o teu cheiro que lembra o álcool das minhas bebedeiras inconformadas com a solidão. Tua culpa é não parecer com estrelas, com Luas, com Sóis e aquela porcalhada toda que só bêbados, românticos e astrônomos, com menores razões, se preocupam.
      Mas não imagino estrelas. Estrelas cegam, estrelas morrem. Além de inalcançáveis, não perduram, não se sustentam sem brilhar. É de um narcisismo que só eu me permito ter e não tolero em mais ninguém. Você não é e nunca será uma estrela, porque estrelas ainda podem cair. Se você cair, eu não tenho mais nenhum pedido, nenhuma razão, nenhum motivo pra acreditar que o céu seja mesmo um bom guardião de tudo aquilo que eu mais amo.
      Vira-lata. É isso que eu sou. Vira-lata faminto, sem pelo, de dente torto, com pulga e carrapato. Tudo o que eu tenho direito, menos você. Aquele desejo mais proibido, segundo o dono da padaria. É, você não passa da droga de um frango de padaria. Que não me alimenta, mas me mantém em pé. Que não me cuida, mas que fazem alguma coisa brilhar e rodar dentro das minhas pupilas, o que já é efeito psicodélico demais para quem só vê lixo e pessoas de olhares desprezíveis.
      A única coisa que eu queria era que você descobrisse que morrer devorada por mim é melhor do que morrer espatifada… Por mim também, que mantenho o meu céu limpo com medo da tentação de querer te ver. Você está ali. Atrás do vidro. Eu quase posso sentir, eu quase posso matar a fome finalmente. Mas não… Você me deixa morrer. O seu dono de padaria só te aceita vendida, e eu não pago por aquilo que já morreu, por aquilo que já é meu, mesmo sem ser. Eu não tenho forças pra brigar ou morder ninguém, não tenho binóculo e nem sei uivar. Eu não vejo as sobras do piquenique, a metade do sanduíche que aquele senhor deixou cair no chão, a lixeira do restaurante. Tudo a minha volta. Todos os restos e todos os corpos. Mas eu só vejo você. Morta. Inalcançável. Quase cegante. Sangrando pra mim. E a minha boca saliva…

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