quinta-feira, 2 de abril de 2015

primeiramente, isto não é poético. isso não é verdadeiro. isso não é literário. isso não tem qualidade. isso é um vômito, um isso no lugar de isto. isso aqui, é apenas isso. isso não é escrita, isso é apenas isso. 
isso que eu sinto e não consigo entender. eu sou o que há de mais profundo no fingimento. todas as coisas que giram ao meu redor. isso que é tentar estudar o que você é, isso que é tentar fazer uma autoanálise superficial, isso é saber que você vai explodir a qualquer minuto.
é ter dúvidas sobre já ter explodido. é querer explodir e acabar com tudo. com o orgulho, com os espinhos, com as dores nos pés que me lembram noites de bebedeira vazias, que me lembram os dias de sol que nunca vi. os dias de sol, os almoços de domingos. hoje, isso não passa de uma mentira, uma mentira.
eu não sou um escritor. eu não sou a merda de um poeta. eu não sou um doente, um alcoolatra, um sofrido, um medíocre. eu sou alguém. alguém triste, alguém que não está triste, alguém que é triste.
é triste o tempo todo por não conseguir explodir. paranoico.
alguém que se esconde, se atravessa, se avessa. alguém que eu não conheço e me vê dormindo
uma mulher, uma mulher, verdadeiramente mulher, com seu sangue escorrendo nas pernas, que me olha agoniada, que me pede auxílio, que tem o corpo marcado, o corpo marcado, o corpo marcado, mas quem não tem? eu mesmo não consigo não me marcar
a dor inscrita é a dor sentida, que não flutua no ar como um veneno, como um salve-se quem puder, como um suporte, é a dor que eu consigo suportar
a dor que eu não conheço
a dor que me olha, escondida dentro dos cadernos de três anos atrás, escondida dentro de um menino e inscrito dentro de um homem. o homem que eu não sou, mas sinto orgulho de ser
porque tudo é mentira. por que não me criar? por que não ser
triste idiota fechado frio antissocial hipocondríaco mal humorado mal amado mal representado mal informado estúpido execrável
por que não ser
por que não sou? por que nunca fui? 
eu deveria ter ido quando tive chance
deem-me uma chance.
tudo, tudo, tudo, tudo na minha vida foi e é uma mentira
um sentimento de solidão que não consta nas pesquisas, na ciência, que não consta em poço algum
que não consta no céu, uma solidão que não foi inventada por nenhum deus no sétimo dia, uma solidão que me criou, me embalou e disse: eu serei a mulher demoníaca no fundo o quarto te observando
com curvas, sexy, camisola branca, cabelo desgrenhado, eu sou essa solidão, essa solidão com cheiro de cigarro e álcool, eu sou essa mulher insana e incrivelmente sexy que quer foder (primeiramente, isso não é poético) com você
essa mentira, essa merda de solidão de mentira
eu serei essa solidão
que cresce em cima dos meus ombros e que diz
que sou bonito mesmo chorando
diz que a vida não para
alguém precisa dizer que a vida não parou pra mim
antes ser atropelado, meu bem, do que a vida ter parado
eu sou louco? sou insano? sou vivo? estou bem, a terra gira e as lágrimas continuam caindo, ao contrário dos oceanos
e pra todos os amores que jurei amor
tudo na minha vida foi uma mentira, tudo, tudo, tudo, tudo
se você não me ama, finja
os dois lugares na cama ocupados sempre me incomodou. a mulher com sangue nas pernas encostada na parede continua me encarando e dizendo: querido, goze e saiba: você é só
você é sempre só. eu não tenho a real dimensão da minha solidão, mas ela se parece com o amor. posso ter confundido tudo. porque tudo é a merda de uma mentira, que mal faz pensar ser feliz?
que mal faz, que mal faz. 
que mal faz eu me acalentar no peito das estrelas, do etéreo e da metafísica. que mal faz eu sentir um pouco de calor e um pouco de carinho, um pouco de estabilidade e de afeto, um pouco de mãos que me apertem o pescoço
se você não me ama finja. pra mim, o paraíso, ele não existe. então, exista....
pra todos os amores que amei, pra todas as costas que eu beijei... eu lamento, mas não amei, eu lamento, mas imaginei que eu beijasse suas faces
imaginei que vocês me amassem, mas não
algo me diz que não. algo está dizendo isso agora mesmo. algo está recitando na minha cabeça cada palavra que eu tenho que escrever e engolir como cianureto. 
sinto muito por nada disso fazer sentido. 
sinto muito por chorar depois de cada tentativa, tentativa, tentativa, tentativa de amar 
eu me basto e eu não me completo, o físico é um ritual. a vida, ela é uma tradição.
um impulso de morte constante. um impulso de se sentir amado por alguns instantes.
por se sentir usado, útil pra alguma coisa 
posso consertar você se eu te quebrar? você é apenas uma piada
posso rir de você?
posso beber você?
a ressaca, baby, a mulher na parede disse: você não precisa amar quando está bêbado, você chora e sente a dimensão do que é ser humano. eu sou isso. eu não posso amar ninguém.eu não posso ser o que você quer, já que não sou o que eu quero.
eu sinto muito por isso não fazer sentido. algo me diz que eu vou ser sempre uma reprovação. 
eu não sou a merda de um escritor. e devia parar de agir como se fosse. 
eu não consigo amar. há uma parede, um bloqueio, uma mentira, algo que me mantém vivo e respirando.
isso. isso é vazio. 
vazio vazio vazio vazio vazio

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Se ontem amei alguém na vida, hoje tirei do túmulo uma espécie de amor.
Se ontem amei alguém com cabelos e cheiros, unhas e sexo, lábios e beijos, olhos e sonhos, hoje descobri que o amor é feio e fede como um cadáver.
Não há ainda nesse mundo necrofilia que faça o que amei voltar a ser o que amo.
E por mais que eu chore, por mais eu peça, por mais que eu lamente por alguma coisa parecida com saudade, por mais que eu saiba que amei, sim, alguém na vida, eu jamais, de maneira alguma, diria que ainda amo alguma coisa na vida.
O amor sugere que eu ame
suas vísceras,
seus exames de fezes,
suas menstruações,
seu café açucarado,
suas doenças,
suas crises,
seus ossos,
seus fracassos,
seus miolos estourados,
seus bebês que jamais nasceram e apodrecem no seu útero,
seus membros engordurados,
suas dores de cabeça,
seu passado,
sua morte.
O amor sugere que eu ame tudo isso sozinho.
Fica em mim a vontade de invadir o cemitério, roubar o seu corpo e colocá-lo pra dormir no meu colo, enquanto seus olhos que já foram poesia reconquistam a vida através dos vermes que saem deles.
Hoje eu não amo, mas amei, sei que amei.
Mas se o amor é isso, a vida não é, a vida é crime, é pecado e, mais do que tudo, é sanidade.
O amor não espera nem Deus e nem justiça, e muito menos eu.
Se ontem amei alguém na vida,
hoje eu lavo as minhas mãos com sabonete antisséptico e álcool em gel.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

É, na verdade, um medo inexplicável do futuro. Um medo, inclusive, irracional, de me encontrar daqui a cinquenta anos preocupado com a bolsa de valores, com as contas, com a vida em si, pura e simples, da forma mais difícil de se engolir assim como um bom litro de vodca, preocupado com o ato de me manter sobrevivente num mundo concreto e de concreto. Nos meus tempos de choro liberto, eu acreditava que ser adulto era não mais ter tempo pra sofrer. Agora, cultivando não tantas flores quanto olheiras e adquirindo aos poucos um vício por páginas de humor barato e novelas, eu vejo que o medo da solidão é o pior sofrimento que alguém pode amadurecer ao longo dos anos. As velas no bolo avisaram que a natureza quase indestrutível do homem é o fato, muito mais do que o ato, de se fazer constante em dor. Crescer é resolver as noites de insônia com um remédio pra dormir, ter a carência apagada com um sopro de trabalho, ir ao psiquiatra ou psicólogo falar mal dos seus amigos, colocar o presente de dia dos namorados nas contas do fim do mês. Crescer é tapar os buracos de uma estrada longa, cujo destino eu desconheço, mas sei que não me levará a lugar nenhum e que, provavelmente, eu já devo ter passado pelo fim sem perceber, porque tudo se resume à minha falta de tempo em perceber as coisas. Mas os buracos continuam lá, mesmo tapados. O meu medo é acordar daqui a poucos anos e não lembrar mais que estão tapados. O que é tão bonito e tão assustador em amadurecer não é começar a sofrer por coisas ditas reais e aceitáveis, e sim entender o amor (ou a falta dele) como uma coisa irreal e inaceitável e, mesmo assim, sofrer por ele. Me imaginar daqui a vinte e cinco anos sentado numa praça de alimentação sozinho, aproveitando o horário de almoço, enquanto deixo de existir lentamente, é quase um pesadelo. Hoje, sentar numa praça de alimentação sozinho, aproveitando o horário de almoço, enquanto deixo de existir lentamente, é quase um costume. Hoje, coincidentemente, já não sei mais pra que chorar. Daqui a vinte e cinco anos, vou sentar em frente à televisão e chorar por aquilo que não sei chorar agora. Vou sofrer escondido no meu apartamento de dois quartos, um banheiro e uma cozinha mal arrumada, vou sofrer escondido quando dormir do outro lado da minha cama de casal só pra deixá-lo quente também e vou sofrer escondido quando olhar os porta-retratos em cima da cômoda e não reconhecer o rosto de ninguém além do meu. Vou esquecer que meus buracos estão tapados cada vez que um colega de trabalho estapear as minhas costas e dizer que estou um pouco abatido, mas que amanhã é outro dia. O amanhã ainda existe e amanhã é sempre um atraso.

sábado, 3 de janeiro de 2015

uma vez, alguém me perguntou se eu não cansava de ser sozinho. é espantoso como as pessoas te esbofeteiam simplesmente pelo fato de se importarem com algo mais exposto que a sua superficialidade atraente. expliquei ao mundo que eu gostava de ser o que eu sou. inclusive, expliquei milhares de vezes tentando me convencer. parei pra pensar no que a expressão "gostar de ser o que é" significava, além, claro, do clichê óbvio e açucarado, ideal pra quando alguma coisa implícito no seu sorriso começa a desmoronar. gostar de ser o que é, pra mim, é se auto satisfazer, numa espécie de masturbação sentimental infinita. a ideia não é muito agradável, claro, mas os hormônios da solidão deixam claro que eu me satisfaço com o mínimo de coisa que não seja propriamente minha. é, pior, além de masturbar os seus sentimentos, você ainda dá uma de cafetão do cérebro alheio. me satisfaço escutando música de terceiros, lendo livros de terceiro, apreciando arte de terceiros, vendo filmes de terceiro, comendo comidas preparadas por terceiros, olhando as estrelas de terceiros, quartos e quintos amantes, amando terceiros. ser só é me apaixonar o tempo inteiro por tudo o que não me pertence, desde as garotas que pegam o mesmo ônibus que eu até os olhos claros de alguém que passa na rua. ser só é se apaixonar por sardas, pintas, rugas, estrias, fios de cabelo branco que nascem em pessoas ainda jovens, sinais, gestos, boca descascada, suor. qualquer coisa que pode ser de qualquer um. eu gosto de ser sozinho, na maioria das vezes. amar de longe é uma companhia sufocada e solidária. mas a gente sabe que dar prazer a si mesmo nem sempre é o bastante. prazer, aliás, nem sempre é o bastante. curtir a minha companhia ofegante e cardíaca nem sempre é o bastante. uma pequena parcela de mim ainda quer decorar a cara de alguém com memórias, desencontros, angústia, amor e coisa do tipo. é fácil, na teoria. chega um certo estágio da solidão, quando ela, infelizmente, vira autossuficiência, que passamos a perceber que a nossa alma age como uma enorme máquina de lavar. você não sabe mais onde é que começa e onde é que termina. tudo é reciclável e reaproveitável. as feridas cicatrizam tão depressa que não há tempo de saber o que nos feriu e, então, não há como esquecer. as lágrimas funcionam como o ácido do nosso estômago quando as ingerimos. não existe meio termo, é só uma reta sem fim. então, nossa alma começa a ficar escura e passar por uma espécie de blackout. ser só é admitir que tudo o que você procura nos outros está exatamente em você, de forma tão explícita que chega quase a ser pornográfico. o que dá medo, porém, é voltar os olhos pra si e descobrir o medo profundo e sombrio que você sente de morrer sozinho, a angústia de nunca se encaixar, o orgulho, que você alimentou durante todos esses anos olhando as dores dos outros, pensando que jamais se repetiria da mesma maneira contigo, justamente porque você sabe que a única agressão é a que você se provoca, pequeno e acoado, medroso, faminto... o medo de olhar pra si e descobrir que não gostamos tanto assim de ser o que somos. amar a solidão é odiar profundamente o fato de sermos sempre sozinhos.