quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Lembra de mim quando as coisas não estiverem boas.
Lembra de mim quando pedir às traças para curar os seus machucados e trocar as suas ataduras.
Quando você esquecer de abrir a janela, me culpe.
Quando você economizar sua saliva por cinco minutos. E chorar.
Acho que é uma cena oportuna pra me esquecer. Portanto, não perca tempo.
Tenho uma coisa pra te falar sobre o passado: ele te trai.
Então, lembra de mim antes que
Antes que meus olhos sequem
Antes que minhas mãos tremam
Antes que a minha voz acabe.
Antes que eu desista dos clichês, das rimas pobres e do ouvido intelectual demais.
Antes que eu termine de me destruir. Ainda falta um espaço aqui, eu deixei a melhor parte pra você.
Me guardei no frio pra que a carne não estragasse nesse mormaço eterno da solidão.
Não queima, não congela, mas resfria, e adoece.
Lembra de mim quando a chacina não te comover mais. Eu acho que apaguei do mapa todas as suas pegadas.
E se enciume do seu choro.
Eu acho que já dancei com quase todas as suas mágoas. Elas sabem todos os meus passos.
Pergunte aonde diabos eu me perdi na arte. E se puder, me conte.
O que me intriga, certamente, é dizer pra todo mundo que te superei, contar nos dedos e na alma todas as contusões e fraturas expostas, todas as desistências, as fugas, os remorsos, as linhas, e rir, como quem se orgulha de uma aventura qualquer. Quase morrer, o que me importa, se nunca morri?
E só se morre uma vez. Só se morre uma vez. Eu acho.
Seu amor é um leve desmaio. Fingido.
Acordo, respiro, choro, silencio. Só.
Me contento com os segredos que você desenhou entre as minhas vírgulas.
As minhas pausas que ainda não sei se serão finais. Ou começos.
Isso tudo me dá ânsia de vômito, você sabe. É nojento, é sádico, é cruel, é desumano e inescrupuloso. Eu deveria ter vergonha.
Mas eu só tenho remédios pra dormir. Você quer?
Lembra de mim quando olhar no espelho e só lembrar de disfarçar as olheiras roxas. Sei o quanto você se distraí adocicando os olhos com um colírio especial de lágrimas superficiais.
Seus olhos ficam lindos quando estão vermelhos, inclusive. Parecem banhados em próprio sangue.
Suicídio poético e adulterado.
Sei também do seu sentimento de perda. Mas você nunca vai saber.
Nunca vai saber que me perdeu. Eu prometo.
Porque tenho pra mim que ainda vou voltar todas as vezes em que você quiser… Sei lá, abrir as janelas, talvez. Chorar comigo, também. Observar a chuva e gostar de ser triste, por achar bonito que o céu nos mande pro inferno.
E eu sei que somos pulmões enormes tragando toda a fumaça do mundo.
E pulmões não se reconstituem tão fácil assim. Morrem antes mesmo de saber que estão matando.
Lembra de mim quando quiser, aliás.
As coisas nunca mais foram tão boas, tão simples, tão bonitas assim. Você sabe.
Eu estou feliz.
Você está feliz.
E nem eu e nem você sabemos o que é felicidade ainda.
Mas se quer saber, machuca. Não, você não quer saber.
Não tenho ninguém pra ligar no fim do dia e dizer:
“Droga. Volta, que eu to com saudade. Me perdoa, por favor, me perdoa, me perdoa.”
Traduzindo: nada. Deixa pra lá.
Lembra de mim. Só isso.
Antes que seja tarde demais, e o amor seja tédio.
Antes que surja a primeira estrela no céu
E a última dor na Terra.
Só lembra de mim.
Pro mapa-múndi não ser tão grande.
E pras estradas ainda fazerem sentido.
E se quiser voltar, volta.
Talvez eu deixe um bilhete pra você.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Zumbi.

Eu juro que só queria escutar o barulho que o seu sangue faria. Uma, duas, três vezes. Ou quatro, no máximo.
Mas sua respiração apodrece dentro das minhas dores. Dentro do meu corpo cheio de ácido e órgãos afogados. Eu te mato, te venço, te enfio dentro de um contrabando e te como a liberdade, mas o seu cadáver, ou o seu exoesqueleto, ou o seu metal barato e enferrujado, é o que contamina as águas da minha tristeza. Minhas lágrimas de vitória são podres, inaproveitáveis. Te esquecer foi um ato de extrema aflição, mas nada me construiu mais do que as minhas antigas derrotas. Minha base é inteira construída em cima de um cemitério de cicatrizes. Antigas cicatrizes que ainda ardem.
Cicatrizes ridiculamente zumbis.
Sou construído e edificado em cima do meu próprio nada. Deixo a troca de dor como sacrifício à vida e tento, eu juro que tento, não ter tanto medo assim de quem me diz adeus, porque até hoje o que me ficou foram espaços vazios e uma solidão que pede socorro. Nada que eu precise temer. Nada que eu já não conheça. Eu quis reinventar o modo de ser o que sou, porque já não queria mais a fraqueza e os cortes que faço em mim mesmo. Mas o ser humano perde muito por acreditar nos próximos tijolos e numa fachada florida. O terreno fede e é teu.
O futuro, na verdade, é macabro. É triste.
Eu queria ver seus olhos sendo comidos pelos vermes que eu alimentei e batizei como se fossem carne da minha carne. E são. Amor a gente dá às mazelas da gente, porque amor também damos ao que se cria.
Então, te amo como quem ama o próprio câncer. Parte de mim.
Você.
Você é o tumor maligno que mantém meu corpo furado, meu peito fraco, meus pulmões perderem o desejo diante do oxigênio. Você é a doença que me arranca o amor próprio. O espelho me odeia, porque sou tudo aquilo que não se reflete. E você sabe que eu poderia muito bem me livrar de você, de uma só vez.
Eu poderia me curar do câncer.
Desligariam todos os aparelhos, as culpas, as penas, os remorsos, as saudades, os sofrimentos.
Acabariam com você.
E eu morreria.
Então, meu amor, você é a droga do parasita que me mantém respirando.
Trate de me matar direito.
Porque eu preciso de você.