sábado, 20 de julho de 2013

Édipo

     Solilóquio do último filósofo.
     Um fragmento da história da posteridade.
     O último filósofo, é assim que me designo, pois sou o último homem. Ninguém me fala a não ser somente eu e minha voz chega a mim como a de um moribundo! Contigo, voz amada, contigo, último sopro da lembrança de toda felicidade humana, deixa-me ainda esse comércio de uma única hora; graças a ti dou o troco à minha solidão e penetro na mentira de uma multidão e de um amor, pois meu coração rejeita em acreditar que o amor esteja morto, não suporta o arrepio da mais solitária das solidões e me obriga a falar como se eu fosse dois.
     Ouço-te ainda, minha voz? Cochichas praguejando? E tua maldição teve de explodir as entranhas deste mundo! Mas ele vive ainda e só me fixa com mais brilho e frieza de suas estrelas impiedosas, ele vive, tão estúpido e cego como nunca foi, e um só morre, o homem.
     E contudo! Ouço-te ainda, voz amada. Morre ainda alguém fora de mim, o último homem, neste universo: o último suspiro, teu suspiro morre comigo, esse longo ai! ai! suspirado em mim, o último dos miseráveis, Édipo.

Nietzsche

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