Eu juro que só queria escutar o barulho que o seu sangue faria. Uma, duas, três vezes. Ou quatro, no máximo.
Mas sua respiração apodrece dentro das minhas dores. Dentro do meu corpo cheio de ácido e órgãos afogados. Eu te mato, te venço, te enfio dentro de um contrabando e te como a liberdade, mas o seu cadáver, ou o seu exoesqueleto, ou o seu metal barato e enferrujado, é o que contamina as águas da minha tristeza. Minhas lágrimas de vitória são podres, inaproveitáveis. Te esquecer foi um ato de extrema aflição, mas nada me construiu mais do que as minhas antigas derrotas. Minha base é inteira construída em cima de um cemitério de cicatrizes. Antigas cicatrizes que ainda ardem.
Cicatrizes ridiculamente zumbis.
Sou construído e edificado em cima do meu próprio nada. Deixo a troca de dor como sacrifício à vida e tento, eu juro que tento, não ter tanto medo assim de quem me diz adeus, porque até hoje o que me ficou foram espaços vazios e uma solidão que pede socorro. Nada que eu precise temer. Nada que eu já não conheça. Eu quis reinventar o modo de ser o que sou, porque já não queria mais a fraqueza e os cortes que faço em mim mesmo. Mas o ser humano perde muito por acreditar nos próximos tijolos e numa fachada florida. O terreno fede e é teu.
O futuro, na verdade, é macabro. É triste.
Eu queria ver seus olhos sendo comidos pelos vermes que eu alimentei e batizei como se fossem carne da minha carne. E são. Amor a gente dá às mazelas da gente, porque amor também damos ao que se cria.
Então, te amo como quem ama o próprio câncer. Parte de mim.
Você.
Você é o tumor maligno que mantém meu corpo furado, meu peito fraco, meus pulmões perderem o desejo diante do oxigênio. Você é a doença que me arranca o amor próprio. O espelho me odeia, porque sou tudo aquilo que não se reflete. E você sabe que eu poderia muito bem me livrar de você, de uma só vez.
Eu poderia me curar do câncer.
Desligariam todos os aparelhos, as culpas, as penas, os remorsos, as saudades, os sofrimentos.
Acabariam com você.
E eu morreria.
Então, meu amor, você é a droga do parasita que me mantém respirando.
Trate de me matar direito.
Porque eu preciso de você.
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