sexta-feira, 18 de julho de 2014

não amar é como ter um espelho pequeno infiltrado em cada olho
que te faz enxergar só até a metade de si, não importa qual posição diante da vida você adote
mas que metade linda que é
uma metade despreparada, pouco ensaiada, pouco maquiada
uma metade que tão silenciosa que nenhum choro na terra é capaz de abalar
talvez, choro seja o próprio silêncio, já que o choro da solidão é um pouco mais pesado, um pouco mais caótico
e rotineiro
um pouco mais doce
as lágrimas de solidão são um pouco mais doces do que o padrão. acho que o sal permanece o tempo todo dentro de você.
(chorar solidão é quando você contrai um tumor maligno, e ele acaba sendo mais querido que resto do seu corpo sadio. na hora do tratamento, adivinha só quem vai embora.)
uma metade feia, uma metade agoniada, uma metade inteira e pesada
não amar é quando você passa a encarar o amor com desdém
como se nada mais no mundo doesse de uma maneira prazerosa além de você
quando você bate no peito e sente orgulho e pena
do barulho oco que faz.
não amar é quando o amor não faz mais sentido. assim como deus e histórias de sereias (mas eu prefiro acreditar que as sereias existam de verdade. eu sempre gostei de sereias. acho que elas não são tão bonitas, nem tão simpáticas quanto nos contos que ouvi quando era criança. imagino as sereias como velhas de orelhas deformadas em formato de guelras, narizes enormes, dentes pontiagudos e estragados, cabelos mais longos do que um cadáver enterrado na época da segunda guerra mundial, porém esverdeados, e olhos completamente pretos, completamente adaptados à mais profunda escuridão e tristeza dos oceanos. não acredito que elas seduzam homem algum. não fazem ninguém pular do barco, mas são como urubus marinhos e esperam que um bêbado desatento se perca nas águas pra que disputem a comida com os tubarões. as sereias têm cheiro de peixe podre. mas eu sempre gostei de sereias)
quando você passa a ser a fonte incapaz de atrair qualquer mendigo
mas que fonte linda que é
egoísta e transparente.
todas as pessoas que passam na rua só existem por causa de um homem e de uma mulher que por algumas horas, não foram sozinhos
foi assim com um das várias prostitutas que mantinham os olhos melancólicos e avermelhados fixos no teto enquanto algum homem barrigudo e malcheiroso a penetrava freneticamente, sem penetrar em nada... uma das várias prostituas cuja posição preferida era aquela que não dava pra ver o rosto do parceiro, porque era mais fácil só gemer (sem derramar uma lágrima)
e imaginar que todos os gemidos eram xingamentos
direcionados àquele homem sujo e solitário que acariciava ora os seus seios, ora o cabelo alisado à força em sinal de carinho, de súbito carinho e agradecimento por aquela criatura de nome fictício estar oferecendo um pouco de prazer na sua vida monótona e grosseira. um homem que acariciava as suas coxas e que depois não lembraria mais o seu nome. o seu nome fictício.
o homem que não sabe do filho que teve com ela e que se parece muito com o menininho que morreu na barriga da mulher. (a mulher grávida de oito meses, feia e descuidada, que tinha abortado no banheiro, desamparada, enquanto o bom marido fazia sexo com uma prostituta).
não. naquela hora, eles não estavam sozinhos. nem ele, nem a prostituta, nem a mulher, nem a criança abortada e nem o filho que estava sendo gerado.
toda pessoa que eu vejo passando na rua eu vejo como a junção de um homem e de uma mulher
mais sozinhos e pela metade do que nunca.
isso é não amar
isso é não entender o amor
não entender o motivo que faz o mundo continuar
e ser aquela pessoa que está sempre em dúvida, sempre amarga, sempre com a sobrancelha levantada pra todos os casais em forma de protesto
pra todo o amor derramado nas novelas
e não lembrar mais o que é que acontece quando você encontra um olhar que cabe perfeitamente no seu, sem tirar e nem pôr. aquela pessoa que parece recortada e perfeitamente moldada pra encaixar na sua vida, enquanto todo o resto fica desfocado. (amar, por outro lado, é quando você esquece que, se for parar pra pensar, absolutamente qualquer coisa se encaixa no nosso olhar... eu olho pro vazio e ele me é, mas eu não o amo.)
o amor acontece pelo olhar, pela fala, pelos sons, pelo toque, pelos momentos -pelos arrepiados). é o que dizem.
e vejo por aí as lindas histórias onde cegos, mudos, surdos, insensíveis e incapazes amam.
histórias onde bebês que nascem sem cérebro são vistos como minúsculos milagres.
histórias onde prostitutas tristes parem bebês sem cérebro e cantam pra eles dormirem. 
bebês que não sentem o mundo ao redor. mas sentem o amor. que é quase a mesma coisa.
é contraditório.
não amar é um paradoxo
mas que paradoxo lindo que é
se condenar e se perdoar todos os dias, transformar a metade de si em terças, quartas, e quintas partes, todas separadas por dias, meses e longos anos, até que a morte chegue e, finalmente, o não-amor encolhido dentro do nosso corpo encontre a paz que tanto procura. a metade que tanto esperou.
não amar é como baleias encalhadas na praia, chorosas, enormes e inofensivas. suicidas.
mas que baleias lindas que são
principalmente quando morrem
e explodem, liberando as toxinas, um acúmulo de porcarias, deixando na terra o cheiro das sereias que amou lá no fundo do mar. 
o que sobra é uma areia apodrecida, coberta de entranhas, sangue e plânctons. e um animal morto. inútil. e absolutamente fantástico.
não amar é
sempre explodir.

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