domingo, 11 de agosto de 2013

A segunda tentativa é sempre mais patética

01:19 AM

É frio. Não é nada parecido com os outros metais. Há uma grande diferença entre segurar uma barra de ferro e apontar um cano de revólver pra sua cabeça. Eu senti minhas mãos tremerem, só não estava com medo. Estava sentindo todo o meu corpo ricochetear aquele misto de drama e prazer que me consumia em cada gota de suor que deslizava da minha testa. Veia terrível à mostra, que só surge quando eu fico muito excitado. Curiosamente se parece com uma forca. Clichê demais, meu amigo. Clichê demais. Vamos tentar estourar os seus miolos, só dessa vez.

Não derramei uma gota de lágrima. Acordei, escovei os dentes, brinquei com o meu cachorro, tomei banho cantarolando, comi, liguei pra minha namorada, comi o resto do meu bolo de pré-aniversário, e li. Depois a coisa era simples: decidir que finalmente você ia tomar coragem pra limpar a sua belezinha encostada na parede antes do campeonato de tiro ao alvo e resolver dar um fim na própria vida. Por que? Estou triste. Cin, pense um pouco mais. Você está triste, mas as criancinhas com câncer também estão. E estão lutando pela vida. Não, eu não creio nisso. Estão lutando pela vida, no lugar da vida. São peões que evitam que o rei perpétuo seja deposto. O ser humano tem um medo muito plausível sobre mudanças e suas consequências. Mas não estou interessado em crer em nada disso porque ninguém enfia tubos no meu nariz pra que eu perceba que viver é uma luta diária que ninguém nunca me implorou pra vencer. Não preciso estar morrendo pra desistir. Só preciso estar vivo. Não que eu queira dar uma de pessimista, porque não me importo com ninguém além de mim, e isso significa que não me importo com ninguém. Não me importo em acordar amanhã e ser a pessoa mais feliz do mundo, mas hoje... hoje eu não quero acordar amanhã.

As dores são insônias, os remédios que eu tomo se embrulharam no meu estômago dizendo um adeus terrível. Imploram para que eu não deixe de senti-los brincando com as minhas tripas enquanto eu brinco de ser saudável aqui fora, num intervalo entre um desmaio e outro. Mas acontece que sou triste. Sou triste, triste e meio. Sem mim a tristeza não existiria. Somos um romance implorando aos críticos mais clichês que nos faça um final feliz. Mal dá pra respirar pensando em tanta babaquice vindo à tona em meus remotos últimos segundos de vida.

A morte é uma terra inexplorada. E eu já cansei de tentar esquecer meus próprios passos nessa imensidão decorada que alguns chamam de... vida? Eu quero inovar. Só isso. O garoto triste quer ser triste em outro lugar. Por sorte eu não acredito em "outro lugar". Deus me concedeu a dádiva de não acreditar nele. E não acreditar em dádiva nenhuma também.

Parece que quanto menos tempo você tem, mais tempo você tem. Mamãe gostava de comprar revistas de novelas pra saber o que aconteceria no capítulo seguinte. Mas assistia a novela mesmo assim pra saber se o que ela leu estava certo. Lógica? Mamãe também morreu feito uma premonição. Sabia quando, sabia como, sabia o motivo de morrer. E optou por ver até onde essa merda ia dar. Por mim, eu acho. Não que eu me sinta tão culpado assim, porque todo mundo sabe que revista de novelas são bem baratinhas. Quase não valem a pena. Mas mamãe também gostava das receitas de bolo que vinham nelas. E gostava de mim.

Fiz carinho no meu cabelo raspado duas ou três vezes com o cano do revólver. A lápide era um berço, a despedida era um riso de escárnio e um arrependimento profundo. Mas não, ninguém se importa com isso. Eu não quero morrer, de verdade. Eu não quero ter que me arrepender quando a bala só tiver feito uma pressãozinha na minha cabeça antes de espocá-la. Porque o tempo nos dá essas brechas, essas falhas. O tempo não nos mata imediatamente. Uma pedra atirada no ar tem que primeiro perder velocidade antes de cair. E ainda dizem que a alma não é só materialismo.

Resumindo, porque estou ficando com sono: deixei que a arma caísse no chão, logo em seguida fiquei em posição fetal esperando que alguém me socorresse. Senti minhas mãos sujas de sangue e não conseguia fechar as pálpebras. Um transe cadavérico. Senti falta do carinho frio na minha cabeça. Senti aquela agonia de um quase-espirro. Com a diferença de estar quase-me-matando.

Tenho uma arma. Tenho um curso de tiro. Tenho uma dor que me consome, diariamente. Um abandono, um peso e um pesadelo. Segredo sobre como é viver uma vida que não é só sua: você não pode simplesmente sair perambulando por aí,  se suicidando. Egoísmo demais.

Será?

Ps: Não foi uma tentativa de verdade. Estava só brincando. Ensaiando. 1, 2, 3 e atenção... Vivendo!

Ps2: A arma estava descarregada. Maldita.

Só então eu chorei.

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