sábado, 21 de setembro de 2013

Fica e faz de conta.



Posso colocar a lanterna na testa esta noite. Posso recomeçar a minha coleção de canetas e destruir aquele mostruário de moedas antigas que guardo na gaveta. Posso dizer que li Maquiavel e dormir na metade do livro, posso fingir que o sangue das estrelas é a noite e que eu prefiro a luz do dia. Posso dizer, novamente, que não sei o motivo das pessoas ficarem tão tristes e sentirem tanta pena do que não é da conta delas. Posso engolir minhas virtudes e perguntar o motivo de alguém dizer bom dia no elevador… Tem gente que deveria se importar menos e apertar todos os botões. Eu também poderia começar dizendo que eu tenho muita coisa pra falar e não sei por onde começar. Mas a verdade é que eu sei sim e me guardo no direito de começar te mandando por inferno. Vamos pular essa parte, o que você acha? O inferno é exatamente bem aqui. Que você saiba que eu soprei minhas velas e desejei que o céu fosse um pouco menor do que parecia. Aquela infinitude era sombra pras minhas falhas e pra minha solidão. Falando em velas, meu aniversário é em agosto. Sou leonino, temo que você saiba. Temo ter rasgado e comido a sua alma como eu faria com uma caça. As árvores de casa estão sem poda, mas se eu podasse, Brasília seria um plano passarinho na frente da minha vontade que você pouse aqui. Conservo o porão do meu corpo, com medo de jogar essas tuas tralhas foras. Teu ouro, teu cheiro, tuas ervas, tua barba mesquinha, tua farda que não foi passada naquela manhã. Velho, teus documentos têm cheiro de sangue. Meu cordão umbilical tá no papel, tem nome, tem sobrenome, e sente a sua falta. Vem cá e corta, se você é mesmo homem. Vem cá e me olha, faz de conta que eu sou teu braço direito e esquerdo, que eu sou essa elefantíase sem cura e que eu te cresci e amadureci o coração. Finge, ao menos uma vez na droga dessa tua vida, que você saiu e foi comprar cigarros. Eu quero te dizer que espero que você acorde desse pesadelo molhado e case com a sua garota. Comece tua vida. Mas por favor, começa sem mim. Não vou chegar cedo nesse teu destino infalível, e não quero avisar. Talvez eu nunca chegue e você chore quando escutar um outro choro irritante e exagerado. Ei, velho, admiro você. Admiro mesmo você. Tenho medo que essa admiração acabe quando eu tomar vergonha na cara e seguir os conselhos de quem tem experiência em te abandonar. Ou tinha. Ou fingia que tinha. Tudo tem gosto de cemitério entre a gente, você já percebeu? Espero que todas as minhas cinzas sejam parte do seu misto quente. Que minha tristeza salpique e que a gente se atraia. Quero te dizer que senti orgulho de mim mesmo porque alguma coisa sua ficou embaixo da cama. E quer saber? Eu não olhei. Eu adormeci mesmo assim, tremendo, suando, chorando, gritando, mas eu não olhei. Eu não quis acreditar em você, quando a casa ficou escura demais pra um garoto que já saiu do útero do teu sonífero querendo dominar o mundo. O mundo que não é teu, adianto. O mundo que me ralou, me emocionou e me fez muito feliz. Eu quero te dizer, inclusive, que não decorei as poesias de hoje. Que escrevi nas paredes do meu quarto, uma vez, que eu não queria que você tivesse ido embora. Em outras palavras, claro. Nunca fui tão óbvio assim. As nuvens adquirem várias formas e é assim que você e me é. Indefinível feito a droga de uma nuvem, que chove e vai embora pra outro continente, conhecer gente mais legal, inundar e salvar a vida do povo Africano e depois morrer no melhor túmulo que alguém poderia querer. E no mais irônico também. Você morre nos meus braços e na minha pneumonia, porque eu só gosto da chuva quando eu estou dentro dela. Sofrendo. E eu sei que você não tem forças pra ir até a África, mas eu deixo você agonizar aqui perto, eu faço de você o meu herói. O trato é esse: Você chega aqui e corta no meio dos meus dedos. Ou então quebra a droga dos meus dedos mesmo e calcifica a nossa inimizade. A nossa estranheza. Só que o teu toque me faria sarar de tanta coisa, ah, você nem imagina. Tua cantiga seria melhor que um sanguessuga no tempo em que o sangue doente das pessoas precisava alimentar uma outra criatura nojenta. Parece bem com a nossa história, mas os dois morreriam. Nada mal pra dois estranhos, hum? Nada mal. Relação estranha de esclavagismo, essa é a verdade. Eu não olhei pros monstros essa noite com medo de me ver em alguns deles. Malditos olhos castanhos que podem ser de qualquer um, menos teus. Mas fica e faz de conta, seu babaca, faz de conta que você me ama. Fica, se você tem punhos firmes e palavra de honra. Porque eu não tenho mais coragem de acreditar.

- Alô?

- Filho, eu estou voltando pra casa hoje. Como você está?

- Pai?

- Desculpe, número errado.

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