domingo, 30 de dezembro de 2012

O Sabor que Mata e Apressa - Karina Buhr



      Glutamato monossódico. Aquela coisa que tem no tempero do miojo e em um monte e comida expressa, porque a gente tem muita pressa, pra deixar os sabores mais aguçados. Sabor já aguça, existe pra aguçar, não pra ser aguçado. Antes, tinha guerra. Dizia-se especiarias. Brigava-se por tempero. Nossos ouvidos e olhos, além de nossa goela, receptora de hormônios de galinhas inchadas, recebem toneladas do tal aditivo. Senão, os apressados não são fisgados.
      A música precisa ser cada vez mais rápida e alta e só mais rápida e alta. Não pra acrescentar, mas pra trocar, exterminar outras formas. Os peitos cada vez mais inflados, caso pequenos sejam. Se forem grandes, o ideal é diminuí-los, pra depois inflá-los em métodos atuais. O videoclipe de quatro minutos é longo, a edição do filme tem que deixar o sujeito tonto. Não é pra acrescentar, é pra trocar, pra acompanhar a estabanação geral. O grande lance é nausear a criatura, pra emocioná-la.
      São Paulo contém glutamato. Aqui, até vereador glutamata. Ele abusa do tempero, ele não mata um, mata 36. O que é um, nos tempos de hoje? Cada vez menos com pausas, cada vez mais agonia, cada vez menos silencia. A campeã era a estação Sé, lá pelas 18h. Foi ultrapassada, coitada, por uma linha amarela. Saí do Butantã tranquila. Ia caminhando, pensando e o ônibus chegou chegando. Aquela lotação que a gente já conhece, mas achei todo mundo mais apressado naquele dia. Quando aconteceu um movimento de descida coletiva, fui junto. Não contrariaria o fluxo, eu estava tranquila. E fui levada, sem me esforçar, pra estação do metrô. Não precisava, mas ia ser bom pegar o metrô, chegaria mais... rápido.
      Ainda sem forças pra sair do fluxo, minha alegria era quando chegavam as escadas rolantes. Aí que eu respirava tanto! Mas elas acabam um dia. Cheguei onde queria e todos queriam também, na Avenida Paulista. Fiz todo o percurso sem prestar atenção em nada, sem olhar indicação de sentido, só deixei fluir e, pela primeira vez, isso tinha um sentido ruim. Cheguei ao meu destino antes da hora. E fiquei esperando meu namorado, olhando o povo apressado.
      Outro dia, fui assistir de novo a um filme de que gostei muito, O sétimo selo. Me deu uma coceira no braço, uma sede, achei o sofá duro. Não conseguia desligar do dia, aí me deu um sono, irreal pra mim naquele horário. Decepcionadíssima, levantei e fui dormir. Um desfecho medíocre na minha crise de abstinência monossódica. É um filme glutamato zero! É um filme força total, que bate na cara, mostrando que a gente talvez tenha perdido a capacidade de ser espectador que respira.
      Num ataque não habitual de otimismo, pensei que não! Um banho de mar pode resolver. Um banho de mar, com certeza, resolve. Só não sei quando vai dar, mas se tem algo que resolve, é um banho de mar.

Baiana, recifense, paulistana e universalista, Karina Buhr é cantora, compositora, percussionista e desenhista.

Texto intitulado "O Sabor que Mata e Apressa", originalmente postado na coluna da "Revista da Cultura", na edição de novembro de 2012.

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