terça-feira, 7 de maio de 2013

Amanhecer. Debatem-se flores lá fora, libertando-se do aquário de cheiros que a noite deixou. A porta range, o relógio arranha lembranças, as roupas de frio, perfumadas com um inverno esquecido e penduradas no cabide, nunca mais foram usadas. A cortina luta para não arder o quarto com os primeiros filhos do orvalho, minúsculas lágrimas das folhas, quando já não é possível tapar os olhos do Sol. A liberdade ilumina-se no canto dos pássaros, mas o som inaudível do bater das asas ainda me parece mais bonito. Na cama, só um corpo. Na vida, só um vazio. O carteiro não tocou a campainha. Não há ninguém lá fora. Não há nada entre a vida e eu, não há nada que faça com que a vida entre em mim. O silêncio dói muito mais na pele daquele que não quer ouvir, pois silêncio pode ser tudo, menos nada. Silêncio é uma resposta sem pergunta. Mais um dia para amanhecer, mais uma janela para abrir, mais um jarro para regar, mais um choro escondido atrás do espelho. Rotina de bem me quer, meu bem querer. A maior parte da platéia dorme enquanto o artista está no camarim. Pois eu permaneço aqui. Na frente do palco. E todos adormecem como se o meu amanhecer estivesse insone noite passada. Para que começar tão cedo? Para que começar, aliás, se o travesseiro ao lado permanece intacto? Ó, flores mal criadas, orvalhos apressados, agasalhos dorminhocos, pássaros malditos, carteiro esquecido… Sufoca-me a fadiga do espetáculo cor de pele. Pele em pó, pés escravizados, poros tampados. Está tudo bem, meus cinco minutos acabaram-se. Acordei-me, finalmente. Conselhos desprezíveis, pessoas fadigantes, garganta molhada pelas lágrimas que engulo, vida desabando em cima das minhas pegadas. Mais um dia que pode ser cinza, amarelo, azul ou laranja. Depende do filtro da janela. Mais um dia que pode ser frio, quente, morno ou seco. Depende do ar-condicionado. Besteira, tanto faz. Meu único inverno está criando raízes no cabide, minha solidão lhe deu fogo. Câimbra no ouvido, ai que dor! Silêncios machucam mais ainda aqueles que preferem escutar a própria tristeza, pois a felicidade na boca de terceiros e quartos soa vazia, como um eco sem volta, sem fundo, sem resposta. E não volta mesmo. Nunca voltou. Minha campainha o carteiro nunca triscou. A cama não desarrumou. Você ainda não chegou. Bom dia, boa tarde, triste noite. Rotina.

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