terça-feira, 7 de maio de 2013

"Não é o texto mais triste, nem o mais alegre. Não será meu preferido, não estufarei o peito com minha assinatura embaixo, não será o mais comprido, nem o mais curto, não escolherei as melhores palavras, não terá poesia, tampouco rima, métrica e beleza. Não será engraçado. E começa com uma negação que mais parece um pedido de desculpas aos olhos que esperam algo que vá além de puro sufocamento. Sem lógica, as palavras saem assim. Embaçadas e sem gosto como comida de hospital. Talvez seja mesmo um pronto-socorro para o que sangra aqui dentro, e, se sal é veneno para os hipertensos, a lógica também envenena os hiper românticos. Pode ser apenas um exagero, um tanto faz, uma tempestade em copo d’água. Um acorde desafinado de uma canção encharcada pela saudade. A agulha risca o meu vinil e tudo o que saí são fragmentos de um perdão inverossímil. Pois eu não perdoo. Não perdoo e sinto ódio de você por teimar em insistir, mesmo porque eu e você nunca nos separamos. Sempre forçamos aquele ‘nós’ embasbacado, fajuto, emaranhado numa cama de gato, mais cá do que lá, trôpego, desgraçado. Aquele ‘nós’ que existia dia sim e dia não, prevalecendo uma dúvida que nos levava a simplesmente acreditar. Éramos tudo isso que chamamos de inspiração. Éramos. Éramos do verbo: Eu não existo mais na sua vida, por que você continua aqui? Jogue o marcador de livros fora, desamasse a ponta da página, esconda, rasgue, queime, faça o que quiser, mas não permita-se continuar. Deixe que os textos morram sufocados, afogados nas lágrimas das cinzas que o relógio soltar. A procura acabou, os sonhos fecharam as pálpebras pela primeira vez. É a tristeza que não deixa fechar as cortinas de um palco vazio, acompanhado pelas moscas no fim da platéia que aplaude a morte de sabe-se lá o quê. O mistério do amor será descoberto por alguém com mais sorte do que aquele ‘nós’ que sempre teve uma pitada a mais de você, porque eu só sirvo para escrever, não para amar. Abra as asas e voe por ‘entreosespaços’, ‘entreasbrechas’ que deixo sobrando na janela das minhas palavras. Eu coloco a borracha na tua mão, mas lembre-se que o carvão ainda ficará comigo. Porque sempre fomos assim: criatura e criador. O que quer que tu sejas, deixe que eu seja o monstro. Deixe que eu assuma a culpa, mas me perdoe. Nós nunca vamos ficar bem, você sabe disso. Choramos por nada. Nosso sofrimento é quase uma piada sem graça. Então, no último ato, nos créditos finais, na ponta dos dedos que escrevem uma palavra e apagam três, permita-me que eu me apresente pela primeira vez: Eu sou aquele que passou a acreditar em céu só para ter como te matar dentro do próprio coração e, ainda assim, saber onde te encontrar.

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