terça-feira, 7 de maio de 2013

Três pontas de charuto criam pontos de luz na escuridão do meu quarto melancólico. A sinfonia instrumental de Mozart acarinha meus ouvidos e minha alma dança em lençóis brancos de pureza e ensanguentados pelo mal do silêncio. Um copo de whisky com gelo e amor derretidos, uma garrafa vazia no chão e um velho gato repousando sua malícia em um sofá velho e mal cheiroso. O tic tac do relógio prevê que a bomba de minha paciência explodirá no próximo ruído. Eu, música, fumaça e insanidade. Pisco os olhos vencendo a sonolência dos corações roídos e umedeço os lábios para saborear a última gota de bebida quente. Os bocejos estão tão frequentes que a mandíbula começa a me doer. Decerto, o corpo inteiro me dói. Cada pedaço de carne mal passada da minha existência crua e asquerosa. Cada braço que não te envolveu, cada beijo que não te pertenceu e a cama que nunca te sentiu me causa terríveis dores nas costas. A única coisa com vida nesta casa além de baratas e ratos, é a música de Mozart que não me deixa ludibriar-me pelos caprichos dos sonhos acordados. Já não tenho idade e tampouco paciência para sofrer. Bebo veneno pelos olhos e forço o álcool a rasgar minhas entranhas como lixas de ferro. Escuto o violino, a flauta, o trompete, o piano de teclas finas… Quase posso escutar o sofrimento, os gritos e os prantos escondidos entre as pausas da música. Tenho uma coleção completa de discos arranhados. São meus preferidos. Na janela, um morcego agourento vem fazer ares de ave carniceira. A cova tornou-se rasa para conter tanta impureza e resolvi morrer em vida. Vida que não merece a morte de um embriagado nauseabundo. Nem todo o vinho derramado e nem toda a terra podre do universo soterrariam meus pecados. Eu preciso de um infinito inteiro para fazer cessar a música fúnebre que me acompanhou durante toda a juventude falecida e inútil. Ser ancião é mais propício do que carregar os choros inocentes nas costas… O que faltou-me em sorrisos a vida recompensou em olheiras, rugas e ressecamentos de órgãos sentimentais inúteis. Arranquem-me a língua, pois a saudade regurgitará em forma de lágrimas vermelhas. Arranquem-me os olhos, pois os demônios gostam de cabeças decapitadas. Arranquem-me o fogo da vida e permanecerei com fome de esqueletos cerrados. Apenas poupem-me os ouvidos para que minha alma não tropece na desventura de acordar de uma valsa harmoniosa e entristecida.

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