terça-feira, 7 de maio de 2013

Faço frases com juntas quebradas. Meus pés estão quebrados… E as mãos pouco viveram para ter o que consertar. Escrevo na ausência de poesia, porque poesia é a vida que se leva. E é a vida que me leva. E o que me leva são dois pés esquerdos todas as manhãs, na ausência do encaixe. Ainda não inventaram sapatos e decepções com formas maiores e deformadas para que caibam dedos curtos e vincos gotejantes. Escrevo na ausência da estrada, porque retinas masoquistas acostumam com o escuro da existência. Pior do que ser um cego em meio ao tiroteio, é ser vivente em meio ao caos da vida, de olhos abertos, desviando de cada bala perdida, acertadas em cheio na coluna vertebral da normalidade fracionária. E o que quero dizer é que não sei mais o que dizer. A verdade é que eu nunca disse nada. Passei a vida inteira calando o óbvio para dar voz ao surdo-mudo da pureza. Tão puro que nada vê, tão puro que nada sabe. Tão irreal quanto o branco do papel que absorve todas as cores, todas as carnes, todos os amores. A vida que eu levo não é a vida que eu escrevo. A vida que eu levo é a vida que eu ando, a vida que brota na poeira, que cria casca nos matos, nunca raízes. Pra vida que eu ando correndo, eu mal sei engatinhar. Pra vida que eu ando arrastando, eu só sei pedir pra parar. Nunca parei. Amanhã eu sossego, amanhã eu escrevo, amanhã eu quero. Os pés de ontem não contam mais. Escrevo na ausência do meu cansaço, porque os tais pés não aprenderam a escrever. Com dois pés esquerdos, na ausência da poesia, na ausência da estrada, na ausência da escrita, eu caminho errado, eu escrevo errado, eu vivo errado. E viver é um erro sem volta.

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