terça-feira, 7 de maio de 2013

Das contrações do meu cérebro materialista, abrindo caminho por entre pulmões e músculos, eis o meu tumor. Maligno e irretirável. Irreversível. O tumor que fez do papel em branco a névoa da criação. O tumor que destruiu as células da divisibilidade, células que morrem, cegas, pouco a pouco, explodindo do tédio de serem sozinhas no meio de um bilhão. Eu sou só uma hemácia enfraquecida no meio de um sangue aguado. Uma hemácia afogada no vermelho esbranquiçado de mim mesmo. Nada é poesia, tudo é doença, câncer, tumor. Esse eco de saudade é onomatopeia. Invenção de um delírio. Eu só queria saber quem foi que treinou as mãos da minha mente ambidestra para desenhar feições que os olhos destreinados e efêmeros poderiam esquecer. A coisa sádica que abriga um cérebro contraído e materialista com um tumor maligno que coordena uma hemácia enfraquecida na morte liquefeita de um doente. A frustração de Édipo enrijecida no meu esqueleto doído de transportar tanta dor. Édipo querendo não amar o proibido, furou os próprios olhos. Mas tumores não possuem visão. O amor fica ainda mais bonito no escuro, na tragédia, no drama. O amor fica ainda mais eterno com a fragilidade da matéria. Aquilo que se amou um dia, para sempre se amará. Ainda que o ódio destrua aquilo que de mais puro tiver. Mas a destruição não é a ruína. A destruição é o fóssil do esquecimento. E esquecer não é matar. Minha neurose não é freudiana. Não sou Édipo. Não furei meus próprios olhos. Para abafar a vergonha, sujo meus bolsos de tinta. Escrevo em mim. Amo dentro de mim. Células invisíveis e indivisíveis escorrem pelo papel de pele molhada. O desabafo de um cérebro materialista é o transbordamento das vistas que não me cegaram a memória. O tumor faz nascer a poesia. A coisa sádica que desenha os contornos daquilo que não se pode agarrar no ar. Nos átomos errôneos de antigamente, nas pequenas coisas que formam o homem e tudo o que está ao seu redor, nas pequenas partes de uma maçã, cientistas descobriram um tumor maligno dentro de um cérebro materialista repleto de hemácias aguadas e cegas, cientistas desocupados descobriram a grande doença da humanidade: somos formados por minúsculos pedaços de solidão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário