A beleza existe em tudo - tanto no bem como no mal. Mas somente os artistas e os poetas sabem encontrá-la. - Charlie Chaplin
terça-feira, 7 de maio de 2013
Lápis e papel em cima da mesa de café. “Quanto tempo eu ainda tenho?” Sentou meia hora depois do que deveria, e todos aqueles segundos que passou em frente ao espelho, antes de pegar as chaves, se questionando: “Quem eu sou?” ecoaram em sua cabeça molhada pelo suor. Tic-tac, tic-tac, tic-tac. Se estava confortável? Estava. Sentiu-se parte da espuma daquela cadeira cara. Queria infiltrar-se ali dentro. Quente e mudo, comendo ácaros. Quem eu sou? Um momento. Precisamos de um nome. De um endereço. De uma idade. De um problema. De um comprovante de renda. “Eu não posso ser eu mesmo sem ter que ser alguém?”. E a infância, como foi? “Boa, obrigado”. E o coração, como vai? “Bem, obrigado”. E a mente? “Ótima”. Não agradeceu mais. Não era obrigação. A mente está por aí, sabe, mentindo como sempre. Tic-tac, tic-tac, tic-tac. Era como se tudo fosse tempo. Aquele maldito trava-línguas. O tempo perguntou pro tempo quanto tempo o tempo tem. É, a vida é um enorme trava-línguas. Queria muito dizer isso em voz alta, mas a língua travou. Olhou para os lenços de papel. Perguntou a si mesmo quantas pessoas passaram por ali, quantas estavam atrasadas, quantos abriram mão de compromissos mais importantes, quantos choraram ali pela última vez. Suspirou. Quantos lenços de papel seriam necessários para limpar o sangue caso, hipoteticamente, ele quisesse se jogar daquela janela bonita no quarto andar do prédio? Fechou os olhos. Voou lenta e profundamente. Ele poderia dizer que era um pássaro. Pássaro não tem nome, pássaro é só pássaro. Mas até pássaro consegue voar. Estava cansado dessas coisas boas que duram pouco. E decidiu que pelo menos a morte não seria trágica feito um passarinho morto por não saber fazer a única coisa especial que passarinho sabe fazer: voar. Piscou os olhos e agradeceu por ninguém saber ler pensamentos. Bebeu um gole do café. Desejou um cigarro. As coisas fluem melhor quando você sabe que está se matando na frente de alguém e esse alguém só reclama do cheiro da fumaça tóxica. Talvez fosse por isso que fumar em ambientes fechados é proibido. Ninguém quer morrer a morte do outro. Tic-tac, tic-tac, tic-tac. Alguém corta logo esse fio vermelho e explode tudo de uma vez, pensou. Quem eu sou? Não é fácil. Não é fácil como abrir os olhos e acreditar numa religião que diz que o mundo vai acabar. Mas uma religião que não tem fé, nem culto, nem Deus. Só tem uma tristeza aguda e pesada demais. Tudo é mais fácil quando se tem um fim pra começar. Ele sabia quem ele era, no fundo. No fundo do poço. Suspirou novamente. Só não queria descobrir. Queria alguém pra fazer isso. Queria alguém que encerrasse a sessão. Não dá mais tempo. Tic-tac, tic-tac, tic-tac. Sorriu amarelo, saiu da sala, parou na porta. “E agora, quem sou eu?”
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