terça-feira, 7 de maio de 2013

Então me deixa ir embora, por favor. Faz frio aqui.

Ontem eu fiz a besteira de me olhar no espelho. Estou ainda mais parecido com você. Deu vontade de chorar, mas eu lembrei subitamente o quanto eu odiava ver você chorar. Talvez a sua tristeza fosse a única do mundo que eu não achava bonita… Eu não entendia ainda. Nunca entendi ao certo porque suas lágrimas não desciam da cor dos seus olhos tão meus, mas você nunca gostou desse negócio de ceder seu corpo aos seus sentimentos. Nem um milímetro que fosse. Sua fortaleza, meu amor, ruiu. E a prova sou eu, fruto do teu maior acaso, criatura obsessiva por manter os olhos da mesma cor, exatamente porque eles não herdaram a tua vida. Só a tua partida, e isso são olhos descoloridos que não sorriem jamais e, por mais lágrimas que ousem escorrer, são olhos que jamais brilham. O espelho é um borrão fosco como foi todo o estado de coma que eu fiquei quando vi sua vitalidade escorrendo pelo ralo da pia feito caracóis (seus caracóis dourados, amor, que de tão reais não enfeitaram o seu funeral). É isso o que dá me olhar no espelho quando a morte é quem está sorrindo atrás de mim, deitada na minha cama azul piscina, que não é minha. Você tinha a mim. Você tinha o seu passado chorando bem na sua frente, o seu passado chorando porque não queria te ver. Eu reneguei você até o último minuto da minha vida, quando você não apertou mais a minha mão e eu deixei o cristal da minha infância cair no chão e quebrar. Eu odiei você porque não tinha forças pra lutar comigo e dizer: “Rapazinho, escute aqui. Se você é o meu passado, eu sou o seu futuro”. Você só me deixou ir, mas onde estou agora, senão perto do espelho, da cama, da morte, da vaga no estacionamento do prédio vazia? Eu estou perto do esquecimento, porque cobrindo o pontilhado da nossa história, descobri que te recriei sem os seus lenços da cabeça. Você é minha fantasia, minha ideologia, meu porta-retratos, minha janelinha no dente. Você é qualquer coisa que não seja essa tosse incessante e essa febre que me corroeu o amor. Você é qualquer coisa que não me faça morrer, então suma daqui. Suma daqui e ocupe o seu lugar do nada, porque eu não preciso de você. Eu já não sou mais o teu passado, não seja o meu amanhã. Dói demais não acreditar que eu vou te abraçar um dia. A nossa despedida foi só uma invalidez, mas eu nunca, nunca desisto de te curar.

Deixa eu ir embora, meu canário da asa quebrada, por favor. Faz frio aqui. Na lápide onde você não está.

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