terça-feira, 7 de maio de 2013

João sentado na praça, lendo o mesmo jornal todos os dias, desde 1985. João sentado na praça, aquele velho esquisito que não conhece ninguém, aquela sombra no banco, de terno cinza e gravata amarela, com a bengala de um lado e o chapéu do outro. Bico de fumo na boca, tosses bravas e sabe-se lá há quantos anos ele já deveria ter morrido de qualquer porcaria no pulmão. Um homem de meia idade passa, cumprimenta João com alguma coisa parecida com um olhar desdenhoso atrás dos óculos escuros, enquanto passeia com o cachorro pequeno e gordo, de coleira apertada. João pensa: Está começando a dieta hoje e o pobre do cão que aguente as pontas. Dieta por que? Porque semana passada a mulher o abandonara, estava com crise dos anos dourados. Certamente, precisa do cachorro para não tropeçar em nada, já que o sacrifício em deixar os óculos de grau em casa é grande demais para um velho míope solteiro contra a própria vontade. João riu enquanto a figura sumia ao longe. Poxa, ele gostaria de tê-lo conhecido. Mas não houve nem tempo para pensar o nome. Uma linda mulher de cabelos presos aproximou-se, sentou-se, bebericou dois goles d’água, e prosseguiu a caminhada. João abaixou o jornal, deu duas olhadelas e riu novamente. Solteira há quinze dias depois de descobrir que o namorado a condecorara com um belo par de chifres e escuta música alta no celular de última geração para não escutar os gritos do próprio pensamento. Cede aos apelos do corpo, mas nunca houve espaço para um carinho na alma. Pobre, rica e linda senhorita… João gostaria de tê-la conhecido. Aquela, perto do carrinho de sorvete, é apaixonada por jogadores de futebol. E aquele senhor adormecido na janela do ônibus? Ah, aquele serviu ao Exército, foi marinheiro ou quem sabe rodou o mundo em quatro dias. O pipoqueiro sorri, mas queria ser palhaço. O palhaço, por sua vez, compra uma garrafa da água para tomar com os antidepressivos. O pipoqueiro que é feliz, apaixonado pela moça dos panfletos, que odeia pipoca e tem dois namorados. O rapaz de braço engessado olhando para o céu morre de medo de altura, mas sonha em pular de para-quedas. A mocinha de olhos verdes que lê romance na sombra do grande carvalho subiu demais e quer cair das nuvens. Pobres mocinhas e rapazes… Ah, pobres humanos, pobres destinos, pobres diabos. João gostaria de tê-los conhecido. Mas não, João é um velho sentado na praça, lendo o mesmo jornal desde 1985, porque as notícias são pessoas e pessoas não mudam. João é só aquele idoso fumante que não conhece ninguém, lendo as mesmas pessoas, criando novos roteiro. João é aquele velho, aquele velho sentado na praça, de terno cinza, soltando fumaça, que habita vários mundos, que decora vários cheiros, que enfeita vários olhares, que conhece várias histórias, mas nem sequer conhece a própria.

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