domingo, 26 de maio de 2013

Com quantas tragédias se faz um fundo do poço? Eu sofri e lambi minhas feridas feito um cão de rua apedrejado, suguei o sangue da ponta dos dedos, tomando o cuidado para não deixar apodrecer os cantos embaixo da unha. Eu amarrei um saco plástico dentro de cada órgão meu, fechei a luz e acendi o forno. E acordei no dia seguinte, com a saudade arranhando a porta de entrada. Gato jogado no pântano que volta pra casa todas as noites. Uma manchete manjada, uma primeira edição amarelada e um sujeito anacrônico. Parece que a regeneração do ser humano é uma espécie de Alzheimer degenerativo. É irônico. Cada marca e cada algema destruídos feito suco em pó. A pele não tem memória, mas é a consciência que faz da experiência um desespero. Ser humano implica em ser alguém definitivo. Nenhuma dessas famas de aventureiro, essas longas viagens com mochilas nas costas, essa fuga do tédio existencial. Tudo anseia por um nome, e a experiência, paradoxalmente, não vale nada. Não. A aventura diária é se descobrir. E cada descoberta não é mais experiência. Deveria ser, mas a pele não tem memória. Cada tentativa implica na probabilidade do erro, mas ninguém investe querendo errar, e a regra vale pra qualquer tipo de negócio. Ninguém quer ter experiência, e sim descobrir que não sabe de nada quando encontrar o primeiro par de olhos genuinamente sincero na rua. Quer demonstrar que não viveu nada para que os diálogos ganhem milhões nas bilheterias cinematográficas. E o inconsciente chora, pois que bonito é ferir a mesma pele todos os dias com uma tatuagem nova e na manhã seguinte arranjar forças para desenhar um novo traço. Eu sempre achei que tatuagens ficavam mais bonitas ensanguentadas. E é a tinta o que verdadeiramente fica. O sangue é descartável, uma ponte de acesso. A arte é a arte-final. Não existe rascunho para a dor, portanto. A circulação dentro de nossas veias foi o primeiro rio filosófico da Antiguidade. A tristeza, o choro, o drama, o sentimentalismo, a impotência... Nada disso passa duas vezes pelo mesmo fim.

5 comentários:

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    1. Obrigado. Esta, por enquanto, é a única rede social que eu mantenho. Espero que continue acompanhando.

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  2. E eu espero que você ainda volte para o Tumblr. Quer falar de falta? Então vamos falar de falta. O que você fez com aqueles seus outros textos? Eu, realmente, procurei eles no blog e não achei. Cin, não quero ser chata, ou algo assim, mas que faz falta, faz.

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    1. Eu apaguei alguns textos. Deixei somente os que eu mais gosto.

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